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"Apresentação do livro Júlia e José Luzes na Eternidade"

Vivendo num tempo recheado de fatos destrutivos, talvez funestos, o cérebro sempre inquieto do autor, quis trazer à tona um período onde a maioria das pessoas confundiam fantasia e realidade. Fica claro, caro leitor, que em nenhum momento, ele deixou de lado as passagens maravilhosas e encantadoras, vividas sob os efeitos de uma infância eufórica, mas que se contrapunha aos malefícios de uma sociedade patriarcal, machista e intolerante, capaz de enxergar no egoísmo o direito sobre o outro.

O livro pressupõe o desejo de o autor voltar no tempo, reviver as coisas e rever as pessoas que lhe davam prazer e coragem para enfrentar as agruras. Nada foi esquecido, da garapa ao pé-de-moleque e dos puxões de orelhas às surras por desobediência. Tudo fez parte da sua construção de mundo! O autor se transportou ao passado para encontrar sua mãe e dizer lhe o que não foi dito. Foi possível rever seu pai para ajudá-lo empurrar com mais afinco, aquela carroça, nas estradas íngremes e perigosas, em cada safra! Contar tudo isso foi estimulante e desencadeará no leitor o desejo e o interesse em conhecer a história de Júlia e José, contada sob o olhar de uma criança, seu décimo primeiro filho, em seus relatos pessoais, cheios de emoção e significado. Mas, sob a consciência atual de um homem maduro.

Outro aspecto que me chamou a atenção, que o autor relata neste livro, foi o papel da Igreja. De como se colocava à frente de importantes decisões familiares. Entre as quais as decisões da reprodução humana, instintiva e sem controle de natalidade. Não questiono tais decisões, pois o autor é o décimo primeiro filho! Sua mãe pariu onze filhos em casa, na zona rural, entre as décadas de trinta e cinquenta do Século XX! Ela sentiu dor em cada parto, ela sofreu em cada nascimento. Mas, alegrou-se também diante do primeiro choro de mais um rebento. Se houvessem preservativos e pílulas anticoncepcionais, com certeza, esse livro não existiria para revelar essa história. Por sorte, a pílula chegou para mudar os hábitos sexuais apenas no ano de 1960. Antes não havia o interesse em controle de natalidade, pois a mão-de-obra era primordial.

Através de instrumento como a encíclica “Humanae Vitae”, a Igreja proibia a contracepção artificial. Esse enredo se confundia com a necessidade de as famílias serem numerosas para terem em abundância a mão-de-obra braçal. Difícil entender como os pais procriavam tanto para terem, ainda que livres, essa mão-de-obra com abastança para o trato das coisas e da própria subsistência. É preciso uma luz divina para compreender as facetas desse mundo imperialista. O autor deixa nas entrelinhas sua inquietação pelo sofrimento da mãe, sujeita dessa condição.

Na época, sem televisão, sem celular, sem computador, sem redes sociais, e de pouco acesso à cultura, de onde o “seu” José e dona Júlia tiravam sabedoria para lidarem com as lutas diárias? Mesmo que as lembranças do autor sejam truncadas, toscas, incongruentes, confusas, foi a partir delas e de seu olhar enquanto criança que se tornou possível resgatar aquele tempo turvado e dominado por crises políticas, econômicas e sociais, guerras civis e mundiais. Uma saga!

Como deixou claro Vygotsky “A história das novas gerações se constroem sobre os ombros das gerações anteriores”. E pensar que a geração atual não se importa quão pesado foi o fardo sob os ombros das gerações anteriores.